segunda-feira, dezembro 29

A minha biografia

Eu, Leandro Daniel Pinho Amador, nascido em mil novecentos e setenta e nove no hospital do conselho da Murtosa pertencente ao distrito de Aveiro.

Leandro é filho de Abel da Silva Amador, um serralheiro humilde e muito jovem. Quando este seu filho e único nasceu, tinha somente vinte e dois anos mas quase a completar os vinte e três. A mãe era uma simples dona de casa, seu nome era Rosa Maria Ruela De Pinho, também muito nova quando este nasceu, tendo apenas dezoito anos quando deu a luz. É sobre este que se vai desenrolar até ao fim esta autobiografia.

Nos meus primeiros de anos de vida acompanhei sempre a minha mãe e por vezes meus avós maternos porque não andei em jardins-de-infância ou pré-escolas, então ficava por casa ou acompanhava meus avós nas suas lides do campo. Gostava de me envolver com as vaquinhas e andar em cima do carro de bois, aquilo para mim era uma liberdade louca.

Seis anos, idade de ir para a escola, mas antes a primeira fatalidade aconteceu, meus pais viriam a reparar que eu estava a ficar cego, e isto apercebeu-se quando eu fui a peixaria com a minha mãe e me dirigi para outra senhora agarrando-me a ela e chamando “mãe!” Toda a gente parou e muito admirados repararam que algo estava mal.

Imediatamente fui a um especialista e veio-se a reparar que eu tinha cataratas congénitas e teria que fazer uma intervenção cirúrgica de urgência. E assim foi, dentro de alguns dias estava eu a festejar os meus seis aninhos no hospital de Santo António no Porto para fazer a mesma operação, uma idade que foi marcada por coincidir com o meu aniversário e pelo sucesso que teve. Vinha a recuperar a visão quase na totalidade.

Outra história interessante agora, mas na altura, muito preocupante para as enfermeiras e auxiliares da acção médica, foi quando deram por minha falta na enfermaria. Eu e outro menino teríamos fugido para um jardim do hospital e alegremente e inocentemente brincava-mos com os peixinhos de um lago que lá estava.

Mil novecentos e oitenta e cinco, entrava para a instrução escolar, lembro-me perfeitamente da professora “Lili”, mas não me lembro do seu nome de baptismo porque ela se apresentou assim e era assim que chamava-mos por ela. Foi minha professora durante três aninhos e no último ano, que seria de escolaridade primária, foi a professora Norberta, mas que nós lhe chamávamos de professora Berta. Desta professora toda a gente tinha medo, para além de não ser muito simpática era defensora dos castigos caseiros ou seja de mandar fazer centenas de vezes os trabalhos de casa que não apareciam bem feitos ou que nós não os apresentasse-mos elaborados. Os castigos mais punidos eram dados com a famosa e tenebrosa régua.

Neste ano viria a reprovar de ano, mas lembro-me que a minha mãe teve que pedir à escola para eu mudar de professora pois com aquela não queria ir para a escola. É que para além de não simpatizar com ela já tinha medo. e nunca me esqueci das vinte e cinco reguadas que apanhei por ter deixado a minha colega copiar e ter negado esta minha atitude.

Ano seguinte, professora Adelaide muito semelhante à professora lili, simpática alegre e uma maneira de explicar de forma que todos perceberem a matéria apresentada.

Cinco anos mais tarde do início da escolaridade, ou seja, no ano de mil novecentos e noventa era mais um período marcante. Devido ao avanço escolar tive que me ausentar da escola primária do celeiro em Pardilhó e passar a frequentar a escola secundária Dr. Egas Moniz em Avanca Este foi um período de mais liberdade porque iria apanhar o autocarro escolar ao centro de Pardilhó e depois iria para a escola sozinho. Quando me referi a sozinho quero dizer sem o acompanhamento dos adultos, na companhia dos meus colegas de escola. Ter que mudar de sala com frequência e ter muitos professores em vez de só ter um, como o costume, ter que ser responsável e não chegar tarde às aulas, era mais um dos requisitos novos desta mudança.

Nesta fase escolar, com uma nova adaptação e com uma tendência para nos juntarmos aos mais rebeldes, que eram os que chamavam à atenção, foi um ano que eu não aprovei os meus conhecimentos para avançar para o ano seguinte. Esta minha atitude revelou a minha irresponsabilidade na adolescência assim como foi um desgosto para os meus pais que tanto esforço faziam para eu ser um aluno com boas notas. Mas a minha rebeldia continuou pois os meus pais só teriam conhecimento deste ano quase no fim pois ao longo do ano iria assinando os testes com uma caligrafia semelhante à da minha mãe que era a minha encarregada de educação. Aqui mais uma vez demonstrei a rebeldia característica da adolescência associada `a minha irresponsabilidade casual.

Novo ano lectivo viria a começar, agora com um novo aluno, cheio de vontade de ser diferente e mais aplicado nos seus estudos, pois não podia reprovar de novo. Este ano ficou inicialmente marcado pela directora de turma que se chamava Alice Lima. Era professora de história e chamava atenção pela sua maneira de vestir. Era alta de olhos verdes, cabelos longos e louros e tinha como habito vestir roupas justas e de cores berrantes. Gostava imenso de vir com um fato, de calças e camisola de malha, mas dentro dos tons de verdes e amarelos florescentes com a cor branca a predominar.

Terceiro período, mais uma fase da minha vida que viria a ser marcante e ter que mudar todos os meus hábitos de vida, a minha forma de ser e de estar.

Depois de um ano regular nos estudos viria de novo a perder a visão.

Numa certa manhã acordava mas via tudo muito enovelado, coloquei as minhas pequenas mãos nos olhos e verifiquei que estavam abertos, mas para meu espanto apercebi-me que não via. Em pânico, berrei pela minha mãe em estado de choque e disse que não via. Ela abismada com tal conversa afirmou para não brincar com coisas sérias.

Mas como a realidade persistia, ficámos numa luta constante eu que não me queria levantar e ela a insistir para eu ir para a escola. Na ideia da minha mãe eu não queria ir para a escola porque tinha feito algo e estava com medo das consequências

Ao fim de tanta luta decidi vestir-me, mas só para que entendam, o pouco que eu via era a mesma coisa que ter um saco plástico, onde se coloca a fruta, em frente dos olhos.

Sai de casa, a visão era escassa a minha maneira de ir pela estrada era de uma berma até a outra contrária. Percorri todo o caminho triste e angustiado pois sem ver e sem noção real do que tinha continuava o meu caminho.

Ao longo do percurso para a escola, a minha mãe que não estava convencida do que lhe afirmara, esteve escondida a verificar se realmente eu me deslocava para a escola ou não. Vendo o trágico percurso decidiu encaminhar-me para casa. Vinha a verificar que o que eu lhe diria era verdade. Mais um balde de água fria iria acontecer na nossa vida.

Nesse dia fui de imediato ao especialista particular. Nesse mesmo dia durante a consulta o próprio médico ligou para um colega do hospital Santo António do Porto e mandou-me imediatamente de urgência para lá. Vinha-se a reparar que eu teria feito um descolamento bilateral da retina que poderia ser derivado de um esforço contínuo que poderia ter feito.

Analisando friamente recordo-me que, uns meses grandes antes de isto ter acontecido, teria perdido os óculos que usava para ler e escrever. Com medo de represálias nada tinha dito aos meus pais. Inventei uma desculpa dizendo que os tinha deixado na escola outra vez e que um colega que os tinha levado para casa afim de mos guardar porque eu teria pedido. Esse colega estava em casa doente e não vinha as aulas, até que mais desculpas não colavam e então tive que dizer a verdade. Provavelmente poderia isto tudo ter ajudado a minha cegueira.

De novo no hospital para uma consulta de urgência, submetido a uma série de exames médicos tendo que lá permanecer nessa noite internado para fazer uma cirurgia de urgência, mas nada podia ser feito acabando por perder o pouquinho de resíduo visual que restava.

Saindo do hospital ao fim de alguns dias eu viria para casa mas com a esperança de melhorar ao longo dos dias, mas tudo continuava na mesma.

Apesar de ter perdido a visão continuava a brincar como antes. Os meus colegas vinham-me buscar a casa e eu acompanhava-os para todo o lado e até andava de bicicleta com eles. A diferença é que desta vez via-me obrigado a colocar a minha mão no ombro deles para seguir caminho e lá iríamos nós contentes e felizes nas nossas brincadeiras de crianças. No meio disto tudo não tinha ainda a noção da minha verdadeira realidade esquecendo-me que não via. Foram assim as minhas férias desse ano. Apesar do terceiro período do ano lectivo apenas existir para tentar recuperar a visão não podendo continuar o ano pois nada estava preparado esta situação. Na realidade tudo se resolveu com um atestado médico, pois consegui passar á mesma com as notas do segundo período e avançando para o sexto ano.

Retomava os meus estudos do sexto ano de escolaridade mas com um sistema de estudo diferente, vi-me necessitado à ajuda da minha mãe. Ela lia os apontamentos que as professoras me davam e colegas, matéria que me era fornecida através de um suporte áudio para ir ouvindo em casa e baseado na minha concentração auditiva captando assim o máximo de matéria dada nas aulas.

Neste ano tive uma professora que era cunhada de um director clínico de um departamento no hospital da universidade de Coimbra passando a ser consultado lá. Foi-me então incutida uma pequena esperança que com um transplante podia ser que retoma-se a visão. A esperança é a última a morrer é um velho ditado popular. No entanto todo este tempo de esperança apenas servir para nos preparamos psicologicamente para a minha realidade actual. Com a opinião dos médicos, fui também a uma clínica que era muito conceituada no Porto do Dr. Rufino e ele tirando todas as esperanças que existiam nas nossas cabeças de um dia eu poder voltar a ver.

Dentro de muitas consultas em Coimbra e já cansado de ouvir falar no tal transplante da córnea perguntei se a minha córnea estava óptima vistos todos os especialistas por onde passava diziam que estava boa porque razão eles me falavam de transplante? Pois os tempos foram passando e o tal transplante prometido nunca apareceu verificando mais uma vez que aquilo tudo era um jogo psicológico. Mas eu já estava mentalizado mas para meus pais era muito complicado, pois eles queriam tudo de bom para mim e não me queriam ver limitado pela cegueira.

Este ano lectivo teria passado muito rápido pois deveria de ter sido um ano que eu andei constantemente a superar barreiras e a fazer novas adaptações á vida e mostrando que era capaz de continuar a ser alguém na vida.

Próximo ano, eu teria que fazer uma adaptação á minha vida mas de uma forma prática tive que ir para a escola de ensino especial para me darem toda a autonomia em relação a minha maneira de escrever, ler e mesmo de ser independente na orientação na rua. Assim foi, nesse ano aprendi a escrever a escrita braille e a ler e a aprender todas as técnicas de utilizar a bengala e ser completamente capaz de ir para todos os sítios como todos fazem. Mais uma vitória que consegui alcançar na vida para além de muitas que foram superadas e me davam incentivo de vida e mais vontade de ir mais longe.

O sétimo ano estava a porta mas não iria ser na escola onde eu tinha meus amigos mas sim perto da escola especial onde eu tinha estado no ano anterior. Regressei aos estudos na escola Rodrigues de Freitas na cidade do Porto que ficava a poucos metros da escola especial que era o instituto de S. Manuel e que me servia de residência para poder estudar lá e poder ainda fazer os últimos retoques da minha reabilitação especial.

Sétimo ano um ano de novidades, uma nova escola, novos colegas e um tipo de escrita diferente e ter que superar muitas dificuldades na leitura do Braille. Ainda tinha pouca sensibilidade nos dedos para detectar os pontos braille, mas falando com os professores em algumas disciplinas podia utilizar o gravador em vez de estar a tirar os apontamentos em braille, visto que a máquina braille fazia muito barulho na sua escrita. Mas apesar tudo mais uma barreira foi superada.

Nestes anos que estive pelo Porto na reabilitação vinha a conhecer os equipamentos que seriam confeccionados para nós cegos e pessoas de baixa visão, como por ex: relógios que se levantava o vidro e se apalpa os ponteiros sentindo-se uns pontinhos que substituíam os números de um a doze, relógios que ao carregar um botão eles falavam as horas que eram, calculadoras que ao pressionar uma tecla ela diria seu número ou símbolo correspondente, termómetros que falavam a temperatura que marcavam, balanças falantes e até mesmo conseguíamos manusear um simples computador. Achava aquilo tudo tão interessante que nem dava por falta de visão e até mesmo nas nossas brincadeiras podíamos jogar a bola pois até para tal existem técnicas específicas. Para saber onde a bola estava, o mais frequente era pegar numa bola de plástico e fazer um pequeno furo e colocar pedrinhas dentro e ela ao ser chutada ou ao rebolar fazia um barulho que servia par a nossa orientação e assim fazíamos nossos campeonatos desportivos.

Para além destas brincadeiras de criança eu com os meus amigos da terra Natal teria outras e por vezes mais arriscadas, mas como era como um cabrito na sua fase de crescimento que se mete em todas as coisas e sem medo de nada eu era tal e qual. Ia com os meus amigos para o rio para os nossos mergulhos fantásticos, andava aos ninhos com eles pois era-mos fanáticos por aves e ainda hoje adoro ter pássaros.

Reparem o caricato da situação, como era o mais levezinho era o que fazia de macaco para trepar aos ninhos, e eles em baixo serviam de comando e davam todas as coordenadas para conseguir chegar ao dito ninho.

Depois de detectar o ninho colocava a mão muito delicadamente para ver se tinha ovos ou se já tinha vida dentro dele, se por acaso existisse vida animal no interior retirava um dos seus recém-nascidos e mostrava aos meus amigos o seu tamanho, se era o indicado para levar para nossas casas para acabar de criar os animais.

Adorava-mos criar melros e ver o seu crescimento nas nossas mãos. Para alimentar este vicio fazia-mos kilómetros e kilómeros infindáveis de bicicleta e os dois como uma técnica de dividir o esforço o meu colega sentado no celin da byke e eu sentado no porta-bagagem. Colocava os meus pés nos pedais e ele punha os dele por cima dos meus para o esforço ser repartido pelos dois.

Vocês não imaginam a velocidade doida que podíamos atingir assim com esta técnica. Pois como já vos transmiti era um menino que andava sempre integrado no grupo e nunca fui rejeitado nem excluído pelos meus amigos e se alguma coisa eu não podia fazer teríamos que adaptar para que eu pudesse colaborar com eles. Mas estas brincadeiras ou aventuras eram as nossas peripécias das férias que eram quando tínhamos mais tempo para por as nossas cabeças em funcionamento.

Tirando estes tempos de férias encontrava-me no Porto durante a semana para estudar.

Neste verão entre o sétimo e oitavo ano, ou seja no ano de mil novecentos e noventa e cinco foram as férias mais tristes de toda a minha vida. Neste verão apesar do calor do mesmo foram uma férias frias e geladas, perdia a minha mãe vitima de uma doença do foro neurológico, mas não adianta descrever a minha dor porque devem imaginar qual a dor de perder uma coisa única e valiosa que é o amor de mãe. Apesar desta dor ser forte eu tive que ser mais e tive que superar todo o sofrimento ou melhor tive que o camuflar a minha tristeza com a ajuda dos meus amigos e apoio fundamental da minha família tive que encarar esta situação como uma despedida e não como uma perda definitiva.

O próximo ano lectivo começava e continuava a ser paparicado pelos meus colegas de escola, o oitavo ano e nono foi leccionado sem grandes oscilações e uma nova época viria a aproximar-se. O secundário batia a porta e eu sem saber que agrupamento que iria escolher. O meu objectivo não seria continuar, gostaria de ir trabalhar para ter mais independência monetária. Mas os planos alteraram-se devido á minha perca de visão e então tive de continuar a estudar.

Posto tudo isto escolhi o quarto agrupamento da área de humanidades porque era um agrupamento na qual eu não ficava muito limitado no estudo. Como têm conhecimento nos agrupamentos de cientifico temos as disciplinas de química e muita matemática e esta em braille é muito complicada de exercer.

Decorrido o ano lectivo reparei que não era bem aquilo que eu queria porque tinha uma disciplina que eu não simpatizava muito que era história e então mudei para o curso de comunicação e difusão, fazendo este parte do mesmo agrupamento. E aqui era mais prática do que teoria, e vi-me livre de história, tendo como bónus informática que era uma disciplina que eu nunca mostrava cara feia para ela.

Decorrido este ano lectivo e andando muito regular até ao décimo segundo ano. Aqui chegado ao último que deveria de ter sido, e chegado ao mês de Abril do ano dois mil e um com notas péssimas em língua francesa. Reparando que melhor não viria a ficar e falo de notas de quatro e seis valores de uma escala de zero a vinte mudei a minha vida de uma forma muito radical. Depois de ter falado com um amigo que tinha andado na associação para onde eu iria dentro de poucos dias, pensei em tirar o curso de massagista e assim foi.

Fiz a inscrição, e dentro de poucos dias estava a ser chamado para ir à entrevista do curso. Anulada a matrícula do décimo segundo ano e mesmo decidido que iria tirar o curso abordei o meu pai e disse que ia para Lisboa sendo este o único sítio que os deficientes e pessoas podem tirar o Curso de auxiliar de fisioterapia e massagista de reabilitação física. Ele muito admirado e com receio de eu ir para lisboa sozinho, pois eu nunca lá tenha estado.

Notava-se facilmente que o meu pai estava com um ar amedrontado com aquilo que me poderia acontecer por lá e deveria de se perguntar como me iria desenrascar só, mas eu insisti que tudo iria correr bem e que tinha capacidade de me orientar sozinho mesmo chamando a cidade de capital.

Dois de Maio com as malas feitas pus pés ao caminho com o rumo a Lisboa para a associação promotora de emprego a deficientes visuais. Sabendo de ante mão que teria que ir até santa Polónia e depois teria que apanhar o autocarro numero vinte e oito até à próxima paragem e em seguida que apanhar o cinquenta e dois até Chelas.

Dia dois de Maio do ano de dois mil e um, data precisa da minha aventura em território lisboeta. Chegado a tal estação de Lisboa e muito admirado por um mundo estranho e sem imaginar o que me rodeava, quase sem me mexer do lugar onde estava. Claro não conhecia nada, mas ainda assim tive a sorte de alguém humilde me oferecer a sua ajuda indicando-me o caminho para a paragem do autocarro, que por sinal ficava mesmo à saída da estação de comboios.

O autocarro chegado entrei e dirigi-me ao motorista pedindo-lhe o favor de me avisar quando chega-se a próxima paragem para efectuar a mudança de autocarro. Muito amável, situação que nem sempre se encontra, ajudou-me a descer do seu autocarro e colocou-me na paragem certa do próximo que pretendia apanhar para continuar a minha viagem em direcção à escola que me esperava para o tal curso que era desejado.

Dentro do pretendido autocarro tive que pedir mais uma vez ajuda ao condutor e dizer que queria sair na paragem de Chelas junto da farmácia creija, que era assim mais um dos pontos de referência que eu tinha para depois ir ao encontro da escola. Qual não foi o meu espanto o acesso à escola era já ali, no mesmo lado e no mesmo passeio no qual eu tinha descido. Finalmente consegui chegar ao tão famoso destino.

O grupo já estava completo e eu fui o ultimo a lá chegar, fiz a minha apresentação e foram apresentados os restantes colegas do grupo que iriam frequentar aquele ano do curso de massagistas e auxiliar de fisioterapeutas, e logo em pouco tempo tinha uma ajuda de uma rapariga que se ofereceu. Cheio de sorte pois a tal rapariga estava alojada na residência onde eu iria ficar.

Madalena era o nome da rapariga que se ofereceu para me dar a primeira ajuda, e muito boa que foi, e como eu recordo os meus primeiros passos naquela cidade estranha

Adorei a companhia da madalena e uma amizade começou a desenrolar-se entre nós. Ainda para nos aproximar mais descobri que madalena era nortanha, e como eu era de Aveiro, a felicidade transbordada aquando desta descoberta parecia quase quando dois portugueses se encontram no estrangeiro.

Ao fim do dia e chegada a hora de irmos embora fui acompanhado com ela que já estava em Lisboa a alguns anos, fomos apanhar o metro em direcção da estação de comboios do cais do sodré. Era a minha primeira vez que andava de metro, muito admirado com aquele meio de transporte que era rápido e com um sistema sonoro de dar as informações das paragens onde parava. Para mim tudo era novidade.

A dado instante dei por mim a comparar o nível populacional. Pensava eu que o Porto, 2ª cidade maior, que era muito movimentado. Mas não tinha visto nada. Na realidade na capital o movimento é muito maior, já não falando que os imigrantes também prevaleciam, aliás todos ou quase todos os que ouvi falar não dominavam o português.

Feito o percurso do metro e a estação do metro que interligava com os comboios do cais do sodré, entrava no comboio e com destino a estação da parede que ficava relativamente perto de Carcabelos e um pouco antes de cascais. Para este trajecto todo da escola até a residência precisava de tirar todos os dias quase uma hora de caminho para cada lado da viagem, pois tinha quase que atravessar a cidade de Lisboa de um lado para o outro. Esta pequena viagem de comboio de aproximadamente de vinte e cinco minutos chegava ao fim e mais um trajecto para eu começar a decorar, pois inicialmente era uma avenida extensa e sem grandes preocupações mas depois voltei a ficar apreensivo pois a maior parte do caminho era como um labirinto, era uma localidade organizada como um jogo de xadrez toda ela aos quarteirões e as ruas circundavam à sua volta, e o tal trajecto que me assustou era um bocado para a direita outro para a esquerda, depois era de novo para a direita e voltava a virar a esquerda e isto várias vezes pois se me perde-se a meio era uma grande confusão porque deixava de saber quantas vexes tinha virado à esquerda e à direita. Naturalmente como tudo, a experiência e a repetição permitiram que ao final de algumas semanas deixa-se de ser complicado e passa-se a fazer parte da minha vida diária e quase que diria que fazia o trajecto de olhos tapados como se de um cego não estivesse-mos a falar.

O novo projecto começava. Ansioso pelas aulas do curso de massagista que então me propus a tirar. Começamos em força, com a disciplina de anatomia, que para além de ser a mais gira era a mais puchadinha, pois ter a noção que o corpo se divide em três partes distintas, como cabeça, tronco e membros é muito fácil, mas começar a decorar os xxx ossos e mais xxx músculos e saber sua origem e as suas inserções ao principio parecia o fim do mundo e seria difícil, mas com dedicação e persistência tudo se faz!

Esta complexa aprendizagem tornou-se mais fácil visto a vontade de aprender ser muita, a vontade de vencer ainda maior, mas tudo isto se tornou possível devido ao excelente grupo que me acompanhava, sete maravilhosos colegas que se inter ajudavam, em que normalmente um jogo persistia no nosso dia a dia, as perguntas de anatomia, era uma forma divertida e fácil de decorar tal matéria.

Logo após o primeiro exame algo aconteceu. O grupo coeso e divertido acabou por ficar reduzido a seis elementos visto o sétimo se ter desorientado pois não conseguiu a nota esperada e verificou que aquele curso não seria aquele que pretendia. Isto apenas fez com que os seis que ficaram, fossem todos aprovados no final do curso e que ficassem cada vez mais unidas pela amizade.

O curso divida as aulas teóricas das aulas práticas, eu assim como a maioria preferia as práticas à teoria. Foi nestas aulas que descobri que realmente esta era a profissão que tanto desejava. Inicialmente apenas amassávamos., mas com o passar do tempo as técnicas foram-se aperfeiçoando e este amassar dá lugar a uma verdadeira e gostosa massagem de relaxamento. Tão bom que até se inventavam dores só para sentir aquele prazer.

Os nove meses de curso teórico-prático passou com alguma rapidez e de ali iríamos para o estágio profissional onde iríamos colocar todos os conhecimentos do curso em prática, e desta vez não seria com o Vasco que tinha uma lombalgia e com a Paula que tinha feito uma entorse virtual, mas sim com pacientes de verdade.
Antes do verdadeiro estágio tivemos uma pequena amostra de um chamado nini estágio no lar dos Inválidos do comércio em Lisboa que era onde duas das minhas formadoras do curso eram as fisioterapeutas daqueles idosos queridos e muito amáveis que nos receberam de uma forma óptima e sem nos avaliar se realmente seriamos capazes de fazer o tratamento tal como ele seria prescrito.

O curso decorreu sem grandes oscilações, com as notas dos testes, e confesso agora que só utilizei as minhas cabulas duas vezes, pois não poderíamos tirar nota negativa porque éramos logo punidos com uma oral e eu e as orais nunca fomos grandes amigos. Os alunos que utilizava-mos a maquina braille para fazer os testes, eram postos numa sala sozinhos para não incomodar os restantes alunos, face a isto, utilizei a cassete que nos era dada com os apontamentos ou gravações de aulas que efectuávamos para auxiliar os estudos das matérias e quando me apercebia que estava sozinho aí entrava meu plano em prática, toca a escutar a matéria dada para responder à pergunta correctamente ou quase correcta, parece mal falar estas coisas mas quem é o aluno que nunca fez uma cabula? Mas se elas foram inventadas porque não pô-las em prática!

Chegados ao mês de Abril e a primeira fase do curso estava a chegar ao seu términos. E eu muito desejoso de acabar com aquelas aulas para poder fugir de Lisboa, pois apesar de ter feito bons amigos e ter excelentes colegas não gostava daquela cidade, o stress é muito as pessoas mal se conhecem, e a insegurança prevalece. E por falar nisso, assim como muitas outras pessoas a minha primeira vez como vítima de assalto foi muito traumatizante.

Recordo com agrado uma noite ou melhor principio de madrugada quando eu ia para a minha residencial vindo da minha terra de fim-de-semana. Qual não foi o meu espanto quando verifiquei que o autocarro não tinha parado no mesmo sítio. Como devem imaginar para mim não foi muito fácil, pois como já referi anteriormente Lisboa parece um labirinto. Bem lá ia eu na minha aventura quando tive que abordar alguém para me ilucidar um caminho. Mais uma vez a sorte não estava comigo, tinha acabado de abordar um casal inglês, bem mas com esforço da minha parte e bom grado da deles o objectivo foi atingido e lá consegui chegar ao destino.

Uma das grandes etapas estava finalmente concluída, a existência de um estágio na minha área de residência. Devo partilhar com vocês que não foi uma tarefa fácil, uma parte das clinicas nem sequer deram resposta, outras acharam que não conseguia dar uma resposta válida, mas… existe sempre alguém que acredita em nós e nos dá uma oportunidade. Oportunidade de nos deixar mostrar as nossas capacidades, apesar das limitações que partem à vista dos mais comuns. Com simpatia e delicadeza, e prontos para a minha aceitação, estava a Clínica Dr. Mário Jorge e silva Lda.

Informei minha formadora do telefonema que tinha efectuado e dei-lhe o contacto da clínica para eles acertarem os últimos pontos. E assim foi, o local do meu estágio de formação profissional que começou a dezanove de Abril do ano de dois mil e dois. Foi então aqui que comecei e aonde ainda hoje me encontro. De braços abertos me receberam, e ainda hoje nada sinto em sinal de afastamento ou não reconhecimento da minha pessoa. Pelo contrário, tanto pacientes como colegas gostam da minha mão, da minha destreza

Muito nervoso e com receio de como me iriam receber ou como eu iria desempenhar meus trabalhos, porque era um espaço desconhecido, colegas de trabalho que não me conheciam, a acima de tudo os pacientes que eram aqueles que me preocupavam mais pois eu tinha receio de eles não me verem como bom trabalhador devido à minha deficiência. Mas parece que isso ajudou ainda mais para ser acarinhado e me darem incentivo para continuar a lutar pelo meu posto de trabalho, que tinha boas mãos para massagista. A ouvir estes elogios, fiquei orgulhoso como é claro, e rapidamente me familiarizei com o espaço e com todos os meus colegas de trabalho que se mostraram muito prestáveis, acolhedores e muito curiosos comigo.

Este dia tinha chegado ao fim, e iria de fim-de-semana, contente comigo e satisfeito por ter feito o que me propuseram. O dia passou rápido e parecia que tinham adiantado o relógio, pois a vontade de trabalhar e fazer aquilo que desejava era muito e como era novidade tudo o que me aparecia, o tempo fugia e eu sem dar conta.
Estava eu ansioso que o fim-de-semana passa-se rápido para voltar aonde encontrava todas as forças para trabalhar e querer fazer mais e mais e ser um trabalhador como outro qualquer. E assim fiz tudo para que todos olham-se para mim como uma pessoa com todas a capacidades para desempenhar o papel no qual me submeti, para ser o melhor, e neste tempo que ia passando e cada vez mais confiante em mim e nas minhas capacidades as pessoas iam depositando um voto de confiança.

Foi com toda a felicidade do mundo que vi reconhecido todo o meu esforço e dedicação, pois os responsáveis da clínica propuseram-me ficar a contrato. Como acham que eu me senti? Radiante, sem palavras para explicar

Esta foi mais uma das muitas vitórias que tive e que me propus a super, mas esta foi uma das que deu mais orgulho e que me deixou mais radiante de felicidade

O estágio acabou mo mês de Dezembro no ano dois mil e dois e entraria no ano dois mil e três, agora como funcionário do quadro da clínica e deixando de ser estagiário pelo qual tive muito orgulho que fosse aqui, pois aqui senti que fui acarinhado, e jamais me senti diferente ou em qualquer momento colocado de lado, pelo contrário senti-me apoiado em todos os obstáculos que me foram aparecendo. Ainda hoje tenho aqui verdadeiros amigos.

Os meus formadores ao ter conhecimento do meu trabalho desempenhado e tendo conhecimento que eu iria ficar no mesmo local a trabalhar mostraram-se muito contentes comigo e de certo modo gratificados com o trabalho que tiveram na dedicação dada à formação que foi aprovada da minha parte, na qual acabei por ficar com uma nota de curso de catorze valores no somatório da parte teórica e prática.

Os pacientes da clínica, com quem eu tinha mais relacionamento, ao saberem que os superiores me tinham contratado para ficar a pertencer ao quadro da clínica ficaram muito contentes com a opção que tiveram pois estes achavam que eu tinha toda a capacidade para lá ficar pois também gostavam muito do meu trabalho.

Tudo isto eram recompensas do sacrifício que vinha a fazer ao longo deste ano, pois a vida como diz o velho ditado do povo, “a vida não é feita de um mar de rosas, também tem espinhos” e neste ano eu teria todos os dias que me levantar por volta das seis da manhã para apanhar o autocarro que era o único que tinha para conseguir me deslocar para a cidade de Aveiro, local onde trabalhava. Pois na freguesia onde morava os transportes públicos eram muitos escassos e estou a falar da freguesia do Bunheiro que pertence ao conselho da Murtosa. Para além de ter que me levantar muito cedo depois teria que chegar a Aveiro e ir para o café que ficava ao lado, fazendo paredes meias com a clínica, esperar pela hora de entrada aproveitando para tomar o meu pequeno almoço.

A nível geral, adaptei-me de uma forma boa e agradável, pois de certo modo tento passar despercebido nos corredores daquela clínica, embora muitas das pessoas não se apercebam da minha falta de visão e só verificando quando sem querer choco nelas. Mas mesmo assim ainda há quem pergunte em forma de espanto aos colegas o que eu estou a fazer de óculos de sol dentro da clínica.

No ano de dois mil e três para mim embora todos eles sejam bons, mas este em especial foi o melhor ou tão bom quando eu fiquei a saber que iria ficar lá a trabalhar. Foi o ano em que tinha uma paciente muito simpática e doce com as suas conversas e com a sua maneira de falar e com tanta entusiasmo houve ali algo mais que começou a falar dentro de nós nascendo assim a minha paixão, o meu verdadeiro amor. Foi tudo tão rápido e tão bom que no final desse mesmo ano já estaria a viver com ela

Então no mês de Outubro eu tratei de alugar uma casinha na vila de Avanca perto da estação de caminhos-de-ferro, pois já estava cansado de me levantar cedissimo, optando por ficar no local perto de uma acessibilidade de transporte ficando esta a cinco minutos da estação. Foi uma adaptação boa á minha nova vida, o ter que partilhar as minhas coisas, o meu espaço, ter de entrar em acordos e fazer com que respeita-se algumas das minhas maneiras de ser. Mas uma vida a dois respeitada é uma vida saudável e óptima de ser vivida.

Este relacionamento comigo e com a minha esposa no principio foi um bocado complicado devido a terceiros, nomeadamente por parte do seu ex-namorado. Para ele fazia-lhe muita confusão ter sido trocado por alguém que era portador de uma deficiência. Mas esta deficiência nunca em nada nos atrapalhou e prova disso é que o nosso amor perdura até aos dias de hoje.
Desde destes tempos até hoje tudo se foi desenrolando dentro da normalidade e sem grandes conquistas e vitorias, a não ser esta na qual estou a trabalhar para poder alcançar o términos do decimo segundo ano, para poder um dia pensar em tirar mais formações dentro da minha área e não ficar impossibilitado de não poder leccionar as formações por causa de não ter o secundário completo.

Aqui ficou transcrita a minha biografia desde o primeiro dia em que vi a luz solar até hoje que não a vejo mas sinto os raios solares batendo no meu rosto como dizendo tu não vês mas eu continuo a eluminar os teus trilhos para que nunca pares na vida, porque a vida precisa de ser sentida e ninguém a vê por muito que tente abrir os olhos, por isso a visão ocular para se viver não faz falta, mas sim a vontade de lutar por um futuro de luz espiritual.


3 comentários:

  1. Grande abraço! tu és simplesmente fantástico!

    ResponderEliminar
  2. Que a coragem, a força, a determinação, a vontade de avançar nunca te falte!
    Que Jesus sempre te ilumine e guarde!

    ResponderEliminar
  3. Gostei muito.

    És o exemplo de que, com determinação, se consegue quase tudo o que queremos.

    Abraço.

    ResponderEliminar